Videogames – Do entretenimento à comunicação

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extraído do link: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=653

 

Videogames – Do entretenimento à comunicação

Prof. Dr. Cristiano Max Pereira Pinheiro – Feevale/RS – maxrs@feevale.br

Resumo: O artigo apresenta a dinâmica do videogame sob uma perspectiva comunicacional, relacionando sua construção epistemológica com os fenômenos gerados por este elemento da cibercultura. A interatividade, as ciber-narrativas e a hipermídia tem seu início nos primeiros jogos de vídeo e, através de uma metáfora utilizando a televisão e a informática pode-se esclarecer a relação que, ora, determina os videogames como um campo extremamente interdisciplinar.


1. Introdução

Diversos são os estudos que nos últimos anos vêm aproximando o cenário dos jogos eletrônicos dos vários campos do conhecimento. Apesar da aproximação natural com a informática, parece ser essa a que menos vem trabalhando o produto do videogame como objeto independente e gerador de significações. Talvez seja natural a informática tratar o seu objeto como código, como um trecho de programa, e sendo assim, cuidar das questões matemáticas de inteligência artificial ou de alocação de memória de vídeo como sendo computação gráfica.

Em outra direção estão estudos de psicologia, educação física, pedagogia, sobre temas como a violência dos jogos, a vida sedentária do jogador ou como os jogos atrapalham os estudos, respectivamente. Essas pesquisas acabam de receber suas contra-argumentações, desde a década de 1990, embora mais ativamente nos últimos anos grupos de pesquisa multidisciplinares vêm se voltando para o estudo dos videogames como fenômeno social, não benéfico, mas ao menos com a cientificidade que necessita. Segundo Janet Murray (1997, p.41) “… seria um erro fazer uma comparação direta entre os primeiros frutos de um novo meio com os já costumeiros produtos dos meios mais antigos.”. Isso nos faz refletir a cerca do caminho percorrido pelo videogame: seria um novo meio com quase cinqüenta anos de história? São os produtos recentes dos videogames uma evolução de uma nova forma de linguagem? Teríamos como comunicadores ignorado durante todo este tempo uma nova linguagem?

Desta organização acadêmica ocorrida surgem os Gamestudies, uma série de pesquisadores engajados com a temática dos games e sob o prisma de diversas áreas. Apesar da multiplicidade, o equilíbrio parece ter ficando entre os estudos das Teorias Narrativas aplicadas ao jogo e uma nova perspectiva de estudo chamada ludologia[1], recente e que parece restabelecer novos estudos na linha da Teoria dos Jogos. Mas porque razão seriam os videogames agora objetos de estudo sério?

While scholars identify a range social, cultural, economic, political and technological factors that suggest the need for a (re)consideration of videogames by students of media, culture and technology, here, it is useful to briefly examine just three reasons why videogames demand to be treated seriously: the size of videogame industry; the popularity of videogames; videogames as an example of human-computer interaction. (NEWMAN, 2004, p. 3).

Embora todos os pontos de vista pareçam dignos de pesquisa, realmente a indústria, a popularidade e a interatividade parecem ter chamado muita atenção. Mas a perspectiva de estudo traz as dificuldades de circundar um objeto multi-diferente. O videogame é comparado em diversos estudos com a literatura, o cinema, os quadrinhos, a internet. Isso não quer dizer que ele não tenha se apropriado de outras gramáticas para se estabelecer, mas no seu estágio de desenvolvimento já aparecem sentenças próprias que podem ser reconhecidas.

O cinema, assim como os videogames, no início de século passou por sua transformação narrativa e gerou uma gramática própria, claro, não sem antes passar por uma batalha comparativa de juízo de valor artístico com os meios de contar história anterior. “As principais convenções narrativas já estavam estabelecidas quando os primeiros filmes foram feitos, e o cinema, inevitavelmente, herdou-as. (GERBASE, 2003, p. 59)” Antes de entender a caminhada dos videogames, é passível relembrar que outros meios já se desenvolveram sob olhares cientificamente duvidosos quanto a sua capacidade aurática. Segundo MacLuhan, é um equívoco julgarmos novos meios através da comparação dos anteriores, já que dentro desta perspectiva tendemos a negar o novo.

Para esclarecer um pouco o objeto videogame como um elemento que busca uma independência científica, devemos acompanhar epistemologicamente seu desenvolvimento. Nesse acompanhamento iremos atualizar a significação da construção do objeto a partir da metáfora de seu nascimento, utilizando como progenitores a televisão e a microinformática. Além da sua criação, a mudança nos formatos de conteúdo e distribuição apresentam um caminho que começa a aparecer, da transformação de entretenimento em comunicação. Essa divisão nos games é válida se considerarmos o grau de complexidade e os sistemas históricos de produção dessa mídia, sendo importante essa ressalva para não considerar a exclusão entre entretenimento e comunicação.

2. Um outro uso para televisão

O resgate da história dos games é extenso e já foi legitimado em obras específicas para essa temática[2]. Portanto usá-la-emos apenas como pontuação para o questionamento que foi traçado. Os jogos eletrônicos foram, desde seu início, tratados de duas formas: ou coisa de criança ou como jogos de azar (KENT, 2001). Esse signo inicial atribuído ao game[3] forjou sua identidade cultural no início da década de 60. Num primeiro momento, aos mais esclarecidos, parece paradoxal atribuir aos jogos eletrônicos um legado pertencente aos caça-níqueis e ao cenário das sinucas e mesas de poker, mas, de fato, a indústria que desenvolveu os primeiros jogos eletrônicos foi a do pinball. A proximidade era inevitável, desde as rotas de distribuição até as empresas de manutenção, tudo era processualmente parecido. Isso, aliado, ainda, ao fato das primeiras máquinas não possuírem formas de desenvolvimento de habilidade para o jogador ter chance de poder fazer uma partida pior ou melhor.

Esta foi uma etapa de transição entre os formatos de jogos estabelecidos e os formatos advindos da utilização da eletricidade. Durante a discussão sobre formas de propiciar interação e possibilidade de desenvolvimentos de habilidade é que vamos perceber o pensamento de um ludus eletrônico se desenvolver. Apesar das categorias de Callois já terem sido desenvolvidas em um momento posterior, a aplicação delas aos jogos eletrônicos só pode ser pensada a partir da noção desse ludus eletrônico, que passaremos a chamar de gameplay. Em português a palavra próxima para esse termo é jogabilidade. Porém, esse termo parece insuficiente para quando tratamos também das regras, das formas de interação, da fluência da trama, das animações. Jogabilidade parece estar mais ligado realmente à habilidade do jogador durante o jogo.

O videogame acabou herdando toda essa discussão de gameplay e a taxação como jogo de azar, caracterizado até então como um divertimento, um entretenimento sem utilidade. Vai existir uma clara divisão entre os jogos operados por moedas, que são colocados em ambientes que no Brasil conhecemos pela terminologia de “fliperamas”, e os jogos eletrônicos para jogar em televisões. O momento de criação desta tecnologia para casa é o início da metáfora. Até então tínhamos a vertente dos jogos híbridos vindos dos pinballs e fliperamas, misturando mecânica e eletrônica, e os jogos de vídeo experimentais, que são tidos comumente como o nascimento dos videogames, feitos para computadores.

Os jogos de computadores como o Tênis para Dois (1958) ou o Spacewars (1961) são os responsáveis pelas primeiras formas de entretenimento digital interativo da história. Em 1969, durante questionamentos sobre novos usos para a televisão, Ralph Bauer inventa uma forma de transmitir para televisão imagens digitais e controlá-las. Esse é o momento da invenção do videogame. A metáfora começa a aparecer. O videogame aparece como um híbrido, como um filho da união entre o computador e a televisão. O único problema é que, até o momento, a informática e a televisão eram de domínio tecnológico de engenheiros. A televisão só deu ao videogame a possibilidade de visibilidade, de processamento de saída (output); a linguagem do videogame, sua forma de conteúdo, estava sendo desenvolvida dentro dos grupos de engenheiros e informatas.

3. Crescendo sem pai

Apesar de todo relato de história dos games apontar para os pais do videogame como sendo Ralph Bauer e Nolah Bushnell, cabe uma ressalva para entendermos a metáfora. O videogame cresce criado pela mãe, a informática. Os primeiros jogos tanto para arcades[4] como para videogames são desenvolvidos e produzidos por engenheiros e informatas. Isso faz com que praticamente todos sejam variações de um mesmo padrão, claro que limitado pelos padrões de resolução da época, mas também pelo imaginário. A trama mais complexa parecia ser atire neles ou corra tudo que puder. “As the videogame’s use of space and time grew more complex and graphics grew more representational, the medium became increasingly narrative based. (WOLF, 2001, p. 93)”. Como afirma Wolf, com o incremento tecnológico os jogos foram ampliando sua capacidade narrativa, mas durante esse desenvolvimento assistimos a uma lenta caminhada de construção de linguagem. De fato, a linguagem dos games e suas sentenças parecem reconhecíveis em dois momentos da sua história: durante o processo de estética trash e no começo do paradigma foto-realístico pela tecnologia de 3 dimensões.

A estética trash dos games por impossibilidade técnica foi uma época vivida pelos primeiros desenvolvedores de jogos, durante a década de 70 e o início dos anos 80. É durante este período que as estruturas de produção vão se articular para um formato parecido com o de produção de um objeto de comunicação, uma peça publicitária ou um filme. Crescer sem o pai não foi fácil para os games. Na metáfora, o pai é a comunicação (a televisão), é de onde o desenvolvimento de linguagem e formato irá ser provido com um atraso durante o final dos anos 80 e assim em diante.

A estética foto-realística acontece pelo desenvolvimento tecnológico, mas é também responsável pelo aumento de profissionais da comunicação no universo dos videogames. São diversos os fatores que se modificaram na indústria para que tivéssemos uma diferença enorme entre o primeiro Pong (1971) e o Virtua Tennis (2005). Esta complexidade ocorre pela re-aproximação dos jogos eletrônicos aos processos de produções comunicacionais. O caráter foto-realístico é apenas um dos fatores que é representativo neste tipo de produto, mas não só.

Now as signs are basically vehicles of meaning, a videogame will, for its own part in the conversation, need erect highly efficient, semiotic systems as it tries to present ever greater quantities of raw information to the player. That information can be broken up into different signs in different areas of the display. (POOLE, 2000, p. 196)

Poole fala sobre a interface no sentido semiótico, sobre significação dos elementos apresentados e a grande quantidade de informação. Isso demonstra parte de uma evolução que envolve gráficos e interfaces. Além disso, fazem parte também a narrativa, o espaço, o tempo (WOLF, 2001; MURRAY, 1997) e a construção do envolvimento interativo do jogador com essa obra. Durante este desenvolvimento, os games e suas tipologias foram se estabelecendo entre os arcades, os sistemas de games para televisão e os jogos de computador, como dito anteriormente.

Durante as mudanças de geração nos games e as novas experimentações, surge uma série de jogos que demonstram o quão necessário se fazia a necessidade de pensar a comunicação, as estratégias discursivas e os elementos de sedução que ela poderia fornecer a esses produtos. De forma sutil, a comunicação começa a entrar no processo de criação dos jogos de videogame. Mas de que maneira podemos perceber isso nos jogos? Qual a diferença entre um jogo nesse novo contexto e um outro, onde a comunicação até se dava, mas por uma construção de profissionais de outros campos?

Os gráficos são, inevitavelmente, um fator que os pesquisadores apontam como uma das diferenças entre os antigos e os novos videogames. Certamente existem diferenças simbólicas ou de imaginário na percepção de imagens produzidas com qualidades diferentes, porém, estas imagens são significadas através das sentenças narrativas visuais a partir de um pensamento de comunicação, entre diretor-autor e jogador.

Os primeiros jogos possuíam uma resolução ínfima que não permitia a distinção dos blocos de pixeis acumulados para formar uma torre ou um totem. Um pixel somente representava seu personagem em um jogo. Em Adventure (1978), seu personagem andava por labirintos e castelos lutando contra inimigos para conseguir achar uma saída. O cavaleiro, que era controlado pelo jogador e representado em caixas do jogo e anúncios com imagens grandiosas, era representado no vídeo por um único pixel, um quadrado.

A baixa capacidade de representação faz com que qualquer um, a partir de uma folha quadriculada, pudesse pintar os espaços e desenhar naves, seres, cidades, que seriam representados no vídeo em um nível mais abstracional, representativo, do que real. Com um pixel personagens, com dois pixels muros, com três pixels bicicletas, tamanha era a representação imaginária construída por outros elementos narrativos, ou publicitários complementares, que faziam a falta de qualidade ser superada. Um fator decisivo para isso era a essência do jogo, o divertimento.

A mudança do número de pixels, ou seja, a resolução, determinou a contratação e a busca de um novo perfil de profissional para o processo dos games. Na indústria dos games existe uma gama imensa de profissionais de conhecimentos diversos trabalhando, mas é comum escutar uma divisão principal: os artistas e os programadores. O segundo não é nosso foco nesse momento, mas são os que desenvolveram, que criaram o videogame e a indústria que conhecemos. Os artistas, por sua vez, aparecem na indústria com muito pouca participação no início, claro que podemos considerar um artista de forma mais ampla e contra-argumentar esse ponto, mas o artista que estamos falando num primeiro momento é o desenhista. O artista vai obter um papel importante na transição de resoluções quando a arte gráfica começar a ficar mais complexa.

Outro momento de mudança de processo incluindo a comunicação ocorre quando os jogos começam a ter fim. Pode soar estranho, mas os jogos ou acabavam sem fim, ou “viravam” (esse termo significa para os jogadores que depois de passar por todos os níveis o jogo recomeça). É comum escutar, atualmente, o uso deste termo quando se acaba um jogo que tem final. Mas o que o fim de um jogo tem a ver com comunicação?

Um jogo que recomeça é um jogo com laços narrativos fracos. Para terminar, um jogo precisa que a história desenvolvida forneça ao jogador um ambiente que ele aceita parar de jogar quando chegar a um determinado estágio na trama. Para que essa complexidade fosse evidenciada num jogo, outro tipo de artista foi incorporado à criação de jogos: o roteirista. Conhecido pelo ofício no cinema, na publicidade e com dotes claros de literatura, esse profissional colabora para que a obra game comece a compor uma nova gramática. Nessa nova estrutura um desafio decisivo é aliar interatividade digital com jogo e elementos de comunicação.

Cada nova interface transforma a eficácia e a significação das interfaces precedentes. É sempre questão de conexões, de reinterpretações, de traduções em mundo coagulado, misturado, cosmopolita, opaco, onde nenhum efeito, nenhuma mensagem pode propagar-se magicamente nas trajetórias lisas da inércia, mas deve, pelo contrário, passar pelas torções, transmutações e reescritas das interfaces. (LEVY, 1993, p. 176).

É na interface que as diversas mudanças vão se declarar e unir-se ao sistema de ludus eletrônico que os programadores desenvolveram. A interface como forma de comunicação e de disposição de informação entre jogador e game é desenvolvida a partir da capacidade tecnológica, mas toma para si uma responsabilidade além do estatuto tecnológico. Não é apenas in-game que a interface irá se manifestar, mas nas diversas formas de interação a partir de equipamentos, controles, tapetes, câmeras, entre outros. A comunicação desta vez não entra como agente promotor da mudança, mas sim como transformador, utilizando-se destes para seus sistemas de representação, sedução e simbolismo. Na interface, a comunicação encontra uma forma de imersão, que no início era apenas função das caixas dos jogos e dos anúncios.

Esses fatores como gráficos, roteiros, interface, são indícios de outros parâmetros que pode ter suas transformações, a partir da comunicação, demonstradas ao longo do desenvolvimento do videogame. De fato, o videogame passa a demonstrar a capacidade de se elevar a um veículo de comunicação. Essa afirmação se faz necessária para repensar o papel que a primeira mídia interativa digital tem como gramática em um momento que se fala de interação como algo descolado dos games, apenas ligado na maioria dos seus discursos à Internet. Se ignorarmos os quase cinqüenta anos de desenvolvimento deste meio, também podemos ter deixado de pensar em formatos que aproveitem seu potencial, não apenas para entretenimento, mas games como gramática para outros produtos.

4. Novos formatos

Yet even early dedicated systems like the Fairchild/Zircon Channel F and the Atari 2600 had educational cartridges teaching math and programming, so they were not used for games only, but had other possible functions. (WOLF, 2001, p. 17).

A abordagem utilizada para classificar os games academicamente como meros jogos ou brincadeiras acabou por dificultar a visualização de outras maneiras de usar esta tecnologia. Mesmo com o viés educacional desenvolvido para este tipo de produto (jogo educacional), os usuários acabam por perceber um estatuto que não os convence de que um game específico para estudo é um game. O que é um videogame? Num primeiro momento parece fácil articular, mas diversos conceitos complexos e amplos envolvem a determinação deste termo. Segundo Wolf um videogame é definido por critérios como conflito, regras, habilidade de jogo e o retorno do processamento[5]. Ainda assim, simbolicamente, parece que o escopo dos jogos eletrônicos atrai para seu campo produtos que não preenchem necessariamente estes critérios, produtos que são muito próximos da gramática de simulação e interação que os games desenvolveram.

Antes de analisar a possibilidade dessa gramática vamos entender os critérios que compõe um jogo eletrônico. O conflito é à base do jogo. Qualquer situação dentro da trama de um game necessita de uma motivação para acontecer e, esse começo é dado pelo conflito. Podemos perceber como o conflito pode ser frívolo, porém existente por mais fraco que possa parecer. Freeway é um antigo jogo da plataforma Atari 2600 onde uma galinha necessita atravessar ao outro lado da auto-estrada. Então temos o conflito, onde podemos nos perguntar por que a galinha quer atravessar a rua? Mas sabemos que a motivação não importa mais do que a atividade de conseguir.

As regras são fundamentais para definir as relações, o espaço, o tempo, e todos os outros fatores determinantes em um jogo, seja ele eletrônico ou físico. Callois afirma que as regras são o próprio jogo e aquele que as infringirem de maneira a burlar o sistema passa a ser visto de uma forma excludente por aqueles que ainda querem se manter no estatuto do jogo. Mas como burlar regras de um jogo eletrônico? Não é o foco de nosso objetivo, mas existem maneiras de se violarem as regras dos videogames, são chamados de cheats. Códigos e combinações de botões que fornecem ao jogador uma vantagem, invulnerabilidade, ultrapassagem de nível, arma infinita e outras coisas mais.

Diferente da argumentação sobre gameplay no sentido adotado por Wolf, a habilidade do jogador significa a possibilidade de atuação em jogo através do desenvolvimento de capacidades motoras, sensoriais, de antecipação ou até mesmo da própria sorte. Um videogame deve possibilitar ao jogador a aparente ilusão de equilíbrio de jogo contra um adversário, seja ele o próprio videogame ou outro jogador. Essa discussão é trabalhada arduamente durante a criação de um jogo no livro Theory of fun, de Raph Koster, O autor analisa este cerne como o principal no pensar o jogo de videogame: o equilíbrio entre diversão e dificuldade a variável que faz com que o jogador sinta o sentido de imersão no universo proposto.

I didn’t forget the idea. By 1966, there were over 60 million TV sets in U.S. homes alone, to say nothing of those in the rest of the world. What were they good for if there was nothing on that anybody wanted to watch? (BAUER, 2001, p. xii).

O retorno de processamento, um termo de difícil entendimento em português, quer dizer respeito às formas de devolução de processamento de jogo, no caso do videogame especificamente estamos falando da televisão ou do monitor. O papel desempenhado por essa característica é o que permite a interação homem-máquina e que traduz a essência deste tipo de jogo. Cada movimento do controle, tomada de decisão, apertar de botão é um input, que deve ser processado pelo equipamento e devolvido a partir da tela (output), remontando teoricamente a teoria matemática da comunicação de Shannon e Weaver, assim como outras diversas teorias de interatividade com base em formatos reativos.

A partir desses primeiros parâmetros, os de transformação da comunicação no processo de jogos eletrônicos e os critérios de um game, é perceptível uma linguagem própria. Nas propagandas, nos sites, nos programas, séries de televisão e até nos brinquedos podemos notar algumas apropriações disto que chamamos de games de forma geral. Não nos atemos aqui ao aspecto cultural, mas se olharmos as gerações cada vez mais cresce com uma lógica de interfaces como afirma Steven Johson, com uma influência na forma de raciocínio. Seria este o momento de pensarmos de que maneira diferente devemos contar o nosso cotidiano para as próximas gerações?

5. Considerações

A proposta de navegar do entretenimento para comunicação não é excludente. O entretenimento é um dos formatos que a comunicação adotou como forma de transmitir mensagens, um formato muitas vezes tido como sem valor ou função, mas que provou socialmente ser uma das formas de manutenção da condição humana. O game está nesse momento tentando ultrapassar a sua condição inicial de entretenimento para emprestar a comunicação sua experiência de interação.

Para entender por completa essa caminhada ainda em movimento dos games, nos utilizamos de uma metáfora que tenta demonstrar, mais à comunicação do que ao universo das ciências exatas, a forma como o videogame foi renegado em seu status de aparato tecnológico de comunicação ou até numa provável forma de veículo. Sendo abrigado no início pelas exatas (informática e engenharia), o videogame se desenvolve com um parâmetro de comunicação duro, pouco relacional apesar do estatuto do jogo exigir uma interação primordial.

Apesar deste início que foi representado pela falta do pai (televisão/comunicação) durante seu crescimento, o videogame consegue com a ajuda da mãe (informática) superar sua falta de referencial. O que torna mais interessante esta metáfora é pensar que, atualmente, com novos filhos, a comunicação começa a ter que aproximar os irmãos e resgatar as pesquisas acadêmicas. O novo filho chamado Internet parece ser o primeiro a obter um reconhecimento de paternidade entre a comunicação e a informática de maneira clara e cordial.

A Internet através de seus formatos de sociabilidade, interação, questões econômicas, estruturas de interface e outros confins de pesquisa, passa a ser um dos principais objetos de pesquisa em tecnologia de comunicação. Temos que reconhecer que a rede possibilitou a potencialização dos games on-line e multi-jogadores, além de todos os fatores acima relacionados às comunidades sobre o assunto. Como irmão do videogame as características primordiais são bastante próximas, e, atualmente, assistimos a Internet, no que diz respeito as suas estratégias com os “surfistas” de suas páginas, resgatar formatos dos games para interfaces e interações.

Mas o caçula deste relacionamento é a televisão digital. As discussões e pesquisas em novos formatos e possibilidades de interação da televisão digital parecem, muitas vezes, desconsiderar anos de experiência que os games já produziram. De fato, a TV Digital através de suas características, principalmente, pela forma de desenvolvimento do seu equipamento de transcodificação e transmissão (set box), incorpora funções de processamento de dados, início do conflito para obter resposta do telespectador, agora interativo, e retorno para tela desses dados, e isto tudo aparece entre as características do formato de game. Assistimos nesse momento não há uma convergência de Internet e TV para produzir um novo formato de TV Digital, mas um encontro de irmãos, o retorno do game. Após uma dura jornada vivendo apenas da condição de divertimento frívolo, agora é parte de uma nova gramática que está se tentando construir e aprender ao mesmo tempo, afinal é assim que o game promove parte do nosso desenvolvimento cerebral segundo Jonhson: sem manual, apenas jogando e aprendendo enquanto se joga.

A Comunicação, como pai, tem um importante papel a ser desempenhado nesse retorno. Saber compartilhar e projetar nesse novo campo, as possibilidades de novos formatos, não aqueles pensados a partir de uma lógica tradicional. Agora existem, não só uma nova linguagem, mas também, novos usuários, telespectadores, consumidores, gerações inteiras que crescem a partir de uma nova cultura de apropriação, seja ela de interfaces, de customização, de alta velocidade, de hibridação, mas, essencialmente, a cibercultura projeta um ápice tecnológico para o novo cotidiano e é desse que o videogame já participa fortemente desde a década de 80, senão antes para grupos menores.

Este debate é parte necessária para que possamos circundar um objeto não apenas através da comparação teórica com áreas legitimadas, mas sim, com base em uma metodologia específica que dê conta de suas especificidades epistemológicas para além da condição de jogo, que abranja seu caráter digital e sua essência de comunicação. Assim como cinema herdaremos diversas teorias, mas a apropriação nos exige que haja uma reestruturação com base em características singulares e possamos devolver isto ao campo teórico de maneira a colaborar com o amplo espectro das pesquisas em comunicação. Outros textos seguem a proposta de construção metodológica e foram apresentados em congressos anteriores[6]. Neste reside a essência da defesa desta tese: o videogame como comunicação.

Referências

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

DEMARIA, Russel & WILSON, Johnny I. High Score! The Ilustrated History of Electronic Games. California: McGraw Hill/Osborn, 2004.

GERBASE, Carlos. Impactos das tecnologias digitais na narrativa cinematográfica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971.

JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

JOHNSON, Steven. Everything Bad is Good for You. How Today´s Popular Culture is Actually Makins Us Smarter. New York: Riverhead Books, 2005.

KENT, Steven L. The ultimate history of video games: from Pong to Pokemon – the story behind the craze that touched our lives and changed the world. New York: Three River Press, 2001.

KOSTER, Ralph. Theory of Fun for Video Games. Califórnia: McGraw Hill/Osborn, 2003.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003.

NEWMAN, James. Videogames. London: Routledge, 2004.

POOLE, Steven. Trigger Happy: videogames and the entertainment revolution. New York: Arcade Publishing, Inc., 2000

WOLF, Mark J. & Perron, Bernard. The videogame theory reader. New York: Routledge, 2003.

WOLF, Mark J. The Mediu of the Video Game. Austin: University of Texas Press, 2001.

[1] Este termo está sendo utilizado por grupos de pesquisadores como sendo estritamente relacionado ao estudo de videogames. Vide www.gamestudies.org

[2] Vide Ultimate History of Videogame de Steven Kent, ou The Illustrated history of eletronic games – High Score de Rusel Demaria e Johnny Wilson. O primeiro capítulo da tese que desenvolvo é apenas sobre este resgate histórico.

[3] Game será tratado nesse artigo como termo genérico para especificar a indústria.

[4] Arcade é o termo utilizado para designar as máquinas de videogame operadas por moedas e os locais de parques de diversão eletrônica onde estas ficam.

[5] Os termos foram livre tradução para o português. (conflict, rules, player ability and valued outcomes.)

[6] Vide www.gamepad.com.br – Seção Artigos e Resenhas, textos de Cristiano Max Pereira Pinheiro e Marsal Ávila Alves Branco.

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